Detectado pela primeira vez em 2019 em Wuhan, na China, o SARS-CoV-2 é responsável, conforme dados disponíveis em 11 de fevereiro de 2022, por mais de 400 milhões de casos confirmados e, quase 6 milhões de mortes humanas em todo o mundo. Evidências atuais indicam que a infecção causada pelo SARS-CoV-2 pode ocorrer em animais, sobretudo após contato próximo com humanos infectados. A suscetibilidade de animais ao SARS-CoV-2 pode ser explicada pelo fato de compartilharem, com os humanos, o receptor do vírus, a enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2). As interações entre aminoácidos em posições específicas da glicoproteína S do SARS-CoV-2 e a proteína ACE2 são críticas para a eficiência da infecção. Análises computacionais preveem alta afinidade de ligação do SARS-CoV-2 ao receptor ACE-2 em várias espécies animais, indicando potencial suscetibilidade à infecção. De fato, 35 países notificaram a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) quanto a detecção de infecção natural por SARS-CoV-2 em animais. Os relatos incluem animais domésticos, como cães, gatos, e furões e, animais selvagens sob cuidados humanos, incluindo diferentes espécies de felinos, primatas e visons.

Em princípio, a infecção por SARS-CoV-2 em hospedeiros animais pode resultar no estabelecimento de reservatórios com potencial de impulsionar ainda mais o surgimento de novas variantes. Nesse contexto, dois estudos recentes apontaram a susceptibilidade dos cervos-de-cauda-branca (Odocoileus virginianus) à infecção por SARS-CoV-2, destacando, ainda, a capacidade dos animais de sustentar a transmissão na natureza. No primeiro estudo foram coletados swabs nasais de cervos de vida livre, entre janeiro e março de 2021, no nordeste de Ohio, EUA. Usando PCR em tempo real com transcrição reversa (rRT-PCR), os pesquisadores detectaram mais de um terço (129/360; 35,8%) dos animais positivos. Análises adicionais de estudo do genoma viral permitiram a detecção de três linhagens de SARS-CoV-2 entre os cervos de Ohio. Num segundo trabalho, foi detectada a presença de  RNA de SARS-CoV-2 em um percentual similar (94/283; 33,2%) entre os cervos-de-cauda-branca de Iowa. Neste estudo, conduzido entre abril de 2020 e janeiro de 2021, foram avaliados, por rRT-PCR, fragmentos de linfonodo retrofaríngeo de cervos de vida livre e mantidos em cativeiro. O sequenciamento completo dos 94 genomas de SARS-CoV-2 dos cervos de Iowa revelou 12 linhagens distintas, que corresponderam a genótipos virais circulantes contemporaneamente em humanos. Vale ressaltar que a linhagem B.1.2, dominante em humanos infectados tanto em Ohio quanto em Iowa, durante o período dos estudos, também foi detectada nos cervos, sendo a linhagem  mais abundante entre os cervos de Ohio.

Em ambos os estudos, os pesquisadores destacaram que, em conjunto, os resultados são consistentes com múltiplos eventos independentes de transmissão do vírus de humanos para cervos, seguido de transmissão entre os cervos. Embora as rotas precisas de transmissão do SARS-Cov-2 de humanos para cervos sejam desconhecidas, a exposição ao vírus pode ser consequência do contato dos animais com material potencialmente infeccioso, como saliva e urina de humanos infectados, tanto em áreas florestais como em ambientes urbanos, assim como por meio do contato com águas residuais ou fômites infectados. Os autores salientaram que os cervos não apresentaram sinais clínicos de infecção e, portanto, devem ser monitorados quanto à possibilidade de se tornarem um reservatório silencioso. A possibilidade de diversas espécies animais serem acometidas por uma variedade de coranavírus, leva a supor que reservatórios selvagens para SARS-CoV-2 podem fornecer oportunidades para o vírus sofrer recombinações e adquirir capacidades adicionais de virulência, transmissibilidade e evasão do sistema imune do hospedeiro. A OIE também destaca os riscos e as lacunas ​​de conhecimento associados à evolução do SARS-CoV-2 em hospedeiros animais. Portanto, recomenda que os países conscientizem e estimulem a população a evitar interações desnecessárias com os animais selvagens, inclusive de forma indireta por meio de resíduos ou objetos deixados em áreas de circulação dos animais. A OIE ressalta ainda a importância dos esforços de vigilância e monitoramento da vida selvagem. Dessa forma, incentiva ações tais como: avaliar os animais quanto a infecção por SARS-CoV-2 a fim de entender melhor a disseminação do vírus; compartilhar os dados de sequenciamento genético de estudos de vigilância animal e, sobretudo, notificar os casos confirmados de SARS-CoV-2 em animais por meio do Sistema Mundial de Informações sobre Saúde Animal (OIE-WAHIS).

Autores: Andréa de Andrade Rangel de Freitas & Lúcia Martins Teixeira

Para mais informações sobre o tema, recomendamos a leitura disponível nos links abaixo:

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35078920/

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34942632/

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32826334/

https://coronavirus.jhu.edu/map.html

https://www.oie.int/en/home/

Categorias: COVID-19

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